Ator, Diretor, Poeta, Educador e atual Conselheiro do TEU, nosso querido amigo e mestre, José Maria Madureira é o entrevistado desse domingo pela jornalista Tassiana Macedo do Jornal da Manhã. Confiram:
Foto: Site do Curso Apoio
Educador e partidário da libertação criativa
Nascido em Belo Horizonte, mas criado desde pequeno em Conceição do Mato Dentro, pequena cidade do norte de Minas, José Maria Ferreira Madureira, ou simplesmente Madureira – como é conhecido –, mudou-se para Uberaba em 1972. Momento em que foi muito atuante no cenário efervescente do teatro amador da cidade, cuja referência era o Teatro Experimental de Uberaba (TEU). Aqui fincou suas raízes. Casou-se, teve dois filhos e tornou-se uberabense por opção e de coração.
Terminou o estudo Normal no Colégio Nossa Senhora das Graças e entrou para o curso de Letras, onde estudou Português Vernáculo (Português puro, Latim, Literatura e Linguística) nas Faculdades Integradas Santo Tomás de Aquino (Fista). Lá mesmo começou a dar aulas de Educação Artística e, depois, Literatura, mas também atuou nos colégios Nossa Senhora das Graças e Marista Diocesano como professor de Língua Portuguesa, de Literaturas Brasileira e Portuguesa, e de Redação.
Hoje, aos 53 anos, são mais de quatro décadas profundamente envolvido com o teatro, sendo 33 anos dedicados também à missão de educador. Educador sim, porque ele não se considera um simples “passador de matéria”, mas aquele que, através de sua posição, transmite valores, discutindo ética, justiça e despertando nos “educandos” a necessidade da descoberta como atitude consciente de todo ser humano e cidadão. Nesta entrevista especial, você conhece o educador, ator e diretor de teatro, além de dramaturgo e poeta, nas horas vagas, José Maria Ferreira Madureira.
Jornal da Manhã – Quem é José Maria Ferreira Madureira
José Maria Ferreira Madureira – É difícil falar sobre nós mesmos [risos]... Mas, resumindo, acredito que sou uma pessoa ética, honesta, liberal, me defino como um agitador cultural, creio que sou bom pai e marido, sou boa-praça, tenho bom humor e, também, um lado explosivo, em linhas gerais. E realizei tudo que sonhei dentro do campo profissional e na arte. É certo que existem uma quantidade de espinhas na garganta e alguns sonhos que gostaria de realizar, como peças e colagens de texto que ainda pretendo montar. Além de alguns sonhos, como o de popularizar o teatro e a poesia, tornando-os ao alcance de todos. Sou basicamente isso. É como Zeca Baleiro, não preciso de muito dinheiro, graças a Deus.
JM – Belo-horizontino de nascença e conceicionense de criação, o senhor deve ter boas histórias de infância, afinal, viveu em uma das capitais do ecoturismo, com muitas cachoeiras, além de rica culturalmente. Quais são as mais marcantes?
Madureira – Meu pai, João Ferreira Lajes, tinha fazenda naquela época e comecei a vida em ambiente rural, onde o lúdico prevalecia. Era uma terra muito rica, se andássemos 150 metros em torno da casa dessa fazenda, há uma cachoeira, poços para nadar, pomares, e nossa fazenda reunia a família, principalmente na época das férias. Da família do meu pai eram 21 irmãos e da minha mãe, Cecília Ferreira Madureira, eram nove. E ia para a fazenda uma quantidade enorme de primos, que ainda se juntavam com mais 14 filhos de mamãe. Além disso, no início éramos educados na fazenda. Para isso papai mantinha uma escola lá. Na época do governo do Garrastazu Médici (1969-1974), tivemos que mudar para a cidade porque uma lei obrigava todas as crianças a estarem matriculadas na escola. Aquilo foi para mim [risos] como arrancar a árvore de um lugar gostoso para ser alfabetizado.
JM – E como começou no teatro?
Madureira – No terceiro ano, tive uma professora chamada dona Vaninha, que me colocou como secretário de uma biblioteca que montamos dentro de sala de aula e isso me abriu para a leitura, como Olavo Bilac. Nessa época não se falava em literatura infantil. O livro que li nessa época – e que me marcou muito – foi “Doidinho”, de José Lins do Rego. Foi ela que me introduziu nas festas cívicas do colégio, onde declamava um poema de Duque de Caxias, ou a Árvore, de Olavo Bilac. Comecei a fazer teatro a partir desse momento, com uns 10 para 11 anos, quando apresentávamos peças, não só para a escola, como para a comunidade inteira. Ela era uma mulher muito à frente de sua época. Cobrávamos ingressos das apresentações e, caridosa, ela ajudava entidades carentes.
JM – Foi difícil viver na cidade?
Madureira – Era um sonho. Quando chegava sexta-feira, após a aula, eu nem esperava o ônibus para ir à fazenda, ia a pé. O rio Santo Antônio era largo, tinha uns 40 a 50 metros de largura, e como eu havia sido criado dentro d’água, chegava às margens, colocava as roupas e os cadernos na cabeça e atravessava o rio, conseguindo chegar em casa muito antes do ônibus. Então, a fazenda era meu mundo e a cidade era muito ruim, até que eu consegui me enturmar e construí uma relação interessante na escola. Íamos para os poços perto de Conceição do Mato Dentro e lá nadávamos e mergulhávamos em competições e desafios. Durante os jogos olímpicos praticávamos saltos ornamentais [risos], sem saber... Era fantástico. De repente, fui sacado disso tudo e fui para Belo Horizonte, com minha avó, após terminar o colégio. Estudei por lá e logo vim para Uberaba, sozinho.
JM – E por que escolheu essa terrinha? O que o atraiu em Uberaba?
Madureira – Dinheiro [risos]... Eu trabalhava duro em uma padaria e ganhava meio-salário. Um dia, lendo o jornal Estado de Minas, vi que Uberaba precisava de um apontador. Nem sabia o que era isso, mas na época pagava-se um salário de 1.350 por hora, nem sei precisar quanto era isso agora, mas era muito. Calculei quanto ganharia, fui multiplicando os dias e, muito jovem, pensei: “Vou ficar rico”. Cheguei aqui de madrugada, perdido, num susto medonho. De certa forma vim meio fugido da vovó... Ela não sabia, só juntei minhas coisas e vim. E um personagem popular que, vestido de militar, ficava na rodoviária velha me indicou a direção da empresa, e o José Armando, um baiano, me empregou. Trouxe meu irmão para trabalhar de motorista, meu cunhado, minha irmã. Meu pai acabou vendendo a fazenda para morar aqui. Depois de um tempo, todo mundo foi embora e eu continuei [risos]. Em Uberaba, casei-me, tive filhos, me realizei profissionalmente, finquei raízes. O professor Murilo [Pacheco de Menezes] foi a primeira pessoa que acreditou nas minhas propostas e me deu a oportunidade de dar aulas de Educação Artística, Português e Literatura.
JM – O senhor é conhecido como um personagem emblemático quando o assunto é o professorado uberabense. Como separar o Madureira ator, poeta e dramaturgo do Madureira educador? Ou não é possível?
Madureira – Nunca havia parado para pensar nisso [risos]. Vejo o chão da sala de aula como o lugar que realmente o professor se torna educador, quando ele passa a aprender e a apreender o novo, orientando. E ali o professor se comporta de maneira espontânea. Isso é requisito para uma boa aula, porque os alunos cobram do educador uma postura sobre as coisas, querem saber o que o educador pensa. Assim, o educador trabalha nos jovens o despertar do senso crítico, a ética, etc., é presente até em um momento difícil para o aluno. Se formos pensar, hoje, a grande quantidade de matérias que são exigidas dos estudantes os obriga a ter uma cabeça muito grande, quando na verdade cada um gosta de uma matéria, seja em exatas, humanas ou biológicas. É a tendência que todos temos, mas o problema é que nosso sistema educacional não respeita isso. Então, dentro de sala de aula, o professor, além de ser educador, deve ser um pouco ator, para um público literalmente cativo [risos]... E estar preparado para participar de discussões mais inusitadas possíveis. O aproveitamento é até melhor.
JM – O senhor me disse certa vez que preferia ser chamado de educador a professor, porque sua atuação com os alunos vai além “daquele que passa a matéria”... Como é isso?
Madureira – O professor é aquele que vende aulas, que está na instituição e não se preocupa com que acontece. Ele simplesmente bate o cartão, dá sua aula e vai embora, sem se preocupar com o lado social e as dificuldades de seus alunos. Ele não sabe detectar que o aluno pode ter ido mal em uma prova não porque não saiba a matéria, mas porque os pais brigaram em casa, porque está com uma virose, etc. A prova, na verdade, não mensura absolutamente nada, mas, dentro do nosso sistema educacional, ela ainda é preponderante, haja vista o vestibular. A partir do momento em que o educador troca experiências com seus alunos honestamente, o aprendizado se torna profundo. Nenhum educador deve saber tudo de bate-pronto. Quando vamos ao médico, ele nos pede exames e tempo para analisar o caso, assim também é o educador. É preferível dizer que irá trazer a resposta depois do que procurar tapear o aluno. Prefiro tratar os assuntos de forma humana, explicando o porquê de estudarmos determinada matéria e percebendo as diferenças que há entre os alunos.
JM – O conceito de arte é algo bastante subjetivo, ou seja, cada um tem uma opinião. Na opinião do senhor, viver é uma arte ou é preciso beber da arte para viver, ou o conceito é bem mais amplo?
Madureira – Considero a arte algo muito simples. Arte para mim é tudo aquilo em que há a interferência humana. A partir do momento em que transformamos um vidro, que era simples areia, em uma mesa bonita, com as ferragens alteradas, isso é arte. Minha mãe fazia um franguinho caipira com quiabo que ninguém vai repetir, é uma arte. Agora, existe a arte mais profunda, como uma música, uma tela, uma peça de teatro, uma película. São conceitos mais aprofundados para a necessidade de transformarmos, transmutarmos, consubstanciarmos o real para atingir o belo. Uma pessoa pode dizer: “Aquele quadro é feio” – mas de tão feio que possa ser, ele se torna bonito, por ser inusitado e diferenciado, por prender a atenção e por fazer questionar. A arte, para mim, tem que ser questionadora e quanto mais aberta às participações, maior ela será. Há quantos anos o mundo tenta decifrar o sorriso da Monalisa, de Da Vinci?
JM – E que papel tem o ensino do teatro e da arte nas escolas?
Madureira – O teatro tem uma capacidade fantástica de fazer pensar e questionar, é o principal papel. Depois, o teatro exige uma disciplina muito grande, como da postura física, já que o material de trabalho do ator são o corpo e a voz. Procuro evitar que o figurino e o cenário ultrapassem o personagem. No teatro, o essencial é que o personagem deve ser maior, porque o corpo, a voz, a postura, o olhar no olho do espectador representam o que convence. Exige memorização, dicção, desinibição, oratória, postura vocal, capacidade crítica argumentativa e até mesmo o deboche e a ironia. A arte está sempre um passo à frente da realidade, e isso desperta os alunos.
JM – Há diferença entre os alunos da escola pública e particular?
Madureira – No trabalho que hoje desenvolvo nas escolas públicas, tento mostrar que, com todas as limitações, os alunos de periferia têm a mesma capacidade que os alunos do centro. O aluno da escola particular chega com maior rapidez, o da periferia demora mais, mas tem uma vivência e uma experimentação em relação à vida muito maiores do que esse outro, que só vai ao shopping ou ao clube, viaja... O da periferia vive uma série de situações no seu dia-a-dia. O da particular ganha em acesso à informação, o outro vai ganhar em experiência e vida, então, uma personagem que este faz é muito mais complexa e forte do que o exercido pelo da escola particular. A contribuição é a evolução dos alunos para quem dei aulas, os que fizeram artes cênicas dão aulas e são preparadores de atores até no exterior.
JM – A sociedade enfrenta o problema do acesso precoce dos jovens às drogas e criminalidade. Como vê a questão e como fazer com que a arte – seja o teatro, a música, o cinema – consiga transmitir valores? Como o senhor vê essa questão?
Madureira – O que vejo é que a arte é canalizadora, depois ela é também socializante e socializadora. A partir do momento em que consigo envolver uma pessoa, a arte circense, a pintura, a dança, a música, o teatro... a canalizam para um aspecto. A arte, em si, provoca tanto o bem quanto o distúrbio, a loucura, porque ela não é milagrosa, e também pode levar alguém a usar drogas. Quando um educador começa a trabalhar a arte pelo prazer que desperta na pessoa, ela pode liberar serotonina, ou algo nesse sentido, e a droga se torna sem efeito. O ensaio de uma peça teatral é um momento de fuga, em que a pessoa extrapola aquilo que é no mundo real. E, através da arte, a pessoa pode viajar e ir aonde ela quiser. A arte não opera milagres, ela canaliza para determinados caminhos. E tenho medo de falar em arte e aspectos moralizantes, porque a arte moralizante não leva a nada, justamente por ser superficial. A arte já traz embutida a ética, a moral e a crítica, já a educação da arte é marcante.
JM – Logo que chegou a Uberaba envolveu-se fortemente com o teatro amador e vanguardista, numa época em que o Brasil vivia as censuras da Ditadura Militar. Como foi esse tempo de lutas políticas?
Madureira – Era o teatro engajado. Aqui tivemos mais de uma década de efervescência cultural e o que fazíamos aqui não ficava a dever em relação ao que é visto em nenhum grande centro, tudo isso junto com as questões políticas, pois era o momento em que estávamos vivendo. O teatro naquele instante era uma voz oprimida dos oprimidos, era a maneira que tínhamos para conseguir maior conscientização. Nos anos 60 e 70, o jovem era mais interessado politicamente. Nós fizemos uma série de montagens, fazíamos leituras de textos depois da meia-noite, escondidos do público com este intuito. Chegamos a tomar alguns tapas da censura, mas nada sério [risos]. O mais interessante foi a efervescência daquele momento pela grande quantidade de grupos de artistas sérios que travavam disputas sadias de superação, sem puxar o tapete do outro. Nessa busca, a relação de pesquisa aos grandes mestres, como Augusto Boal, Constantin Stanislavski, Antonin Artaud e outros, era forte. Tudo isso nos deu base para fazer um teatro que era inventivo, criativo, mas um teatro que não fosse impenetrável e plástico, como começou a acontecer de uns tempos para cá, em que as pessoas saem do teatro sem entender ao que assistiram. Em teatro tem que haver plástica, texto e um recado ao público. No TEU, se na peça não houvesse crítica social, ao final da apresentação o público não ia embora, ficava para debater profundamente, até chegar a novo ponto de ebulição. Havia público em Uberaba, hoje não há mais. A grande luta hoje seria conseguir refazer o público para teatro.
JM – Hoje a moda são os stand ups... Como criar esse público?
Madureira – Chamo isso de apelação. Aquilo não é teatro, é uma boa contação de história e piadinha, mas é um momento pelo qual o teatro está passando, de reestruturação. O problema é que o teatro é algo caro e o stand up é barato e acessível, a partir disso é muito lucrativo para o ator, que não tem que gastar com cenário, figurino e três ou quatro atores. É uma tendência que vem dos Estados Unidos, caiu no Brasil, e é um tipo de manifestação em que o sujeito vai ver, mas já sabe o que fará ali: rir. A função do teatro não é só oferecer comédia, a farsa também é importante, porque faz rir, mas faz pensar. Em minha opinião, o teatro deve fazer o público manifestar-se de uma determinada maneira, seja favorável, contra ou vaia, isso inclui levar uma mensagem, o que não há hoje.
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